Vidrotexto 3

1991

Vaselina e óleo sobre o chão:

“A palavra prende em sua boca e seus dois lábios são um só. O cabelo nãotem fios. Abre as mãos num gesto lento, murmura seu sussurro e a palavrapára. Ela está morta e seu andar de morto é lento. Pede um deus pequeno esua infância, pede o pergaminho onde a palavra pára. Seus lábios são um lábioe seus olhos um só olho, bem grudados. Seu som murmura, seu murmúrioecoa num sussurro uma palavra morta. Seus pelos não têm fios. Ela imprimeem sua pele a casca do tatu, depois o couro dos porcos, peludo, mas seusmembros são os mesmos: dedos, seios, narina delicada. Ela imprime opergaminho nestas peles enquanto se transforma. Está morta agora, a peletatuada com o couro de outras peles.”

Parafina sobre vidro:

“O som da chuva contra o som das fontes, o contínuo do céu de fora contra ocontínuo do chão de dentro. Olho o desfile das vitrines misturadas, a prataenlutada dos seus brilhos e o cortejo fúnebre das mercadorias. Estou bem depassagem, aéreo, sem pisar o peso das minhas solas, de suas bolhas. Estoudeitado embora vertical, contra a corrente também aérea dos em-pé caídos,assim dormidos e sem raiz, mortos movidos. Trago os apostos trocados, aparafina no nariz, o óleo nas orelhas e a água por toda parte. Há também obranco súbito em meio ao granito gris e comprimido (com buracos molesconquistados), o vidro transparente (com opacidades conquistadas), courosque são pele, peles que são carne, carnes que são osso, ossos brancos e afelicidade.”

Dois trechos do livro Cujo, sobrepostos.